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Sirenia

Conto por Keyla Fernandes


Sobre o conto


Sirenia é um dos meus contos mais antigos. Deve ter por volta de uns 15 ou 20 anos.

Mas é um conto sobre uma das minhas criaturas mitológicas favoritas, umn conto que eu gosto muito e tenho orgulho de ter escrito, embora a escrita esteja bem amadora.

Espero que gostem.






Sirenia


As paredes de vidro a prendiam em um mundo restrito. 

De familiar, somente a água ao seu redor.

De resto, via um lugar estranho, grande, feito de pedra decorada com cores e luzes que pendiam de cima. A janela da enorme sala dava para o mar. 

Ah o mar! 

A sereia via-o como jamais imaginou: de fora. 

Ainda podia sentir seu cheiro, ouvir sua música a chamando de volta para casa. Dentro da prisão ainda era possível nadar, mas havia limites, mas não em seu lar, onde era livre e podia ir para onde quisesse.

Alguém entrou na sala, assustando-a. 

Os homens, seus captores, não a trataram bem. A prenderam numa rede e a deixaram jogada no chão até que o grande aquário estivesse pronto, e com a mesma falta de cuidado a jogaram dentro dele. 

Contudo, quem entrava na sala agora não era nenhum deles. 

Era outro, um rapaz jovem e desajeitado. Estava trajado com tecidos finos, sua pele era lisa, os cabelos cor de areia lhe cobriam a nuca e os grandes olhos eram escuros e curiosos. 

Ele se aproximou do aquário.

O sol da tarde entrava pela janela, atravessava a água e fazia com que os cabelos da sereia parecessem fios de ouro dançantes. O rapaz tocou o vidro com a ponta dos dedos como se quisesse alcançá-la. A sereia encolheu-se ainda mais no canto, encarando-o, furiosa. Ele suspirou e sorriu sem graça, dizendo:

 Não se assuste. Não sei se me entende, mas não precisa ter medo de mim. Não vou machucá-la.

Ela entendia o que diziam, só não os deixaria saber disso. 

Ficou flutuando onde estava agitando sua cauda multicolorida num balanço lento como o de um véu soprado por um vento suave. 

O jovem não parecia ser como os outros, mas a sereia não disse nada, não confiava nele, nem em nenhum ser que andasse sobre duas pernas.

Anoiteceu.

Aqueles que mandaram capturá-la vieram. Olhavam-na e discutiam sobre a forma de fazê-la cantar. Um deles, o mais bem vestido e adornado, se dirigiu a ela. Era robusto, usava trajes brancos e marrons, possuía barba e cabelos vastos e um brilho detestável no olhar.

 Olá, moça-peixe. Todos gargalharam, e o som que faziam machucava os ouvidos da jovem sereia, acostumada com a canção de suas irmãs e sua mãe.  Você irá colaborar conosco? Irá cantar para nós?  Ela não respondeu  Diga, pois se não cantar jamais verá o mar novamente. 

A sereia pensou em suas canções e pensou em seu lar. Atrás da porta entreaberta, o rapaz espreitava. 

Ela se ergueu e colocou o torso para fora da água graciosamente. Segurando nas bordas do aquário, fitou um a um e se lembrou de como eles eram fracos diante da magnitude de seu povo. 

Os cabelos grudavam-lhe no peito e agora podiam ver as finas membranas entre seus dedos, as delicadas escamas em torno de seu rosto, em seu colo e ombros, que cintilavam, tímidas, em tons de azul, verde e púrpura. O rosto delicado e a lenta dança da cauda hipnotizava-os. 

Ela fechou os olhos, abriu seus pequenos lábios róseos e entoou uma melodia melancólica, cristalina e tão profunda quanto o oceano. O vento parou de soprar e a lua diminuiu seu brilho, e todos ali não podiam, nem se quisessem, desviar os olhos dela. 

A música cessou e a sereia submergiu novamente.

Os homens se entreolharam como se estivessem acordando de um sonho. Então o grande homem perguntou novamente:

 Você pode cantar assim amanhã ao pôr do sol, para outros como nós?

Ela assentiu com um movimento lento de cabeça. 

Eles saíram. 

Somente o jovem de olhos curiosos ficou escondido atrás da porta e ainda parecia encantado com a música. A sereia fez um sinal para ele se aproximar e, naquela noite, falou dentro da cabeça dele. Contou sobre seu lar, sobre a beleza que se escondia debaixo de muitas águas e de como desejava voltar para lá. 

Pediu sua ajuda e ele disse sim.

Na tarde seguinte, na casa de alguém muito rico, um belo salão de festas era preparado. 

A casa ficava de frente com o mar e o sol começava a se pôr. Todos estavam trajando as mais finas roupas e bebendo os melhores vinhos. No palco montado no fundo do salão havia um espelho d’água com uma rocha no meio. As cortinas vermelhas do palco do palco se fecharam e o anfitrião apareceu em seu belíssimo fraque:

 Senhoras e senhores, estou feliz com a presença de todos. Vocês não se arrependerão do que pagaram, pois terão a oportunidade de contemplar um fenômeno visto apenas pelos grandes heróis míticos. Havia orgulho em suas palavras.Depois de três décadas navegando e procurando, eu a encontrei. E hoje, a minha beldade marítima irá encantá-los com a mágica melodia das águas.

As cortinas se abriram, um som de profunda surpresa se levantou da multidão. Bem ali, na rocha colocada no palco estava sentada uma moça de rosto arredondado e delicado, olhos tão azuis quanto o oceano, nariz pequeno e lábios finos. Sua vasta e ondulada cabeleira loura caía sobre os seios e chegavam até a sua cintura delgada onde seu corpo se transformava e dava lugar a uma cauda de peixe de um tom esverdeado, mas que refletia uma profusão de cores ao ser iluminada. — Cante, minha musa aquática, cante para nós. — pediu o homem que pensava ser seu dono.

A sereia deixou suas mãos caírem ao longo do corpo, fechou os olhos por um longo momento, a platéia silenciou completamente, e de sua boca ecoou seu canto. 

No entanto, era diferente daquele que mostrara aos captores. Ainda era profundo e belo, mas sua voz tornara-se mais pesada e sombria. 

A sereia abriu os olhos e o canto tornou-se mais intenso. A cauda dançava graciosamente, as pontas tocando o espelho d’água. 

A música, da qual não era possível entender as palavras, evocava as águas do mar, ondas furiosas e uma doce calmaria nas profundezas do oceano. E lentamente, a canção tornou-se cruel e  tomou conta de todos.

Sem poder se controlar, os presentes começaram a dançar desordenadamente. 

— Já chega! É o bastante. Pare de cantar — gritava seu captor. Mas ela parecia não perceber mais ninguém no salão. — Pare de cantar, sua bruxa, ou vou matá-la. 

Ela o olhou nos olhos e, sem parar de cantar, falou em sua mente: 

—Tente, homem da terra.  

Em meio a dança, as pessoas começaram a jogar-se contra as mesas, as paredes e umas contra as outras, com muita força. Gritos de pavor ecoavam pelo salão. As portas estavam abertas, mas eram incapazes de fugir.

Suas vidas pertenciam à sereia agora. 

De repente o barulho de um tiro, o brilho de uma lâmina, o sangue derramado. 

Facas, armas, cortes e perfurações. E o salão tornou-se mar, um mar rubro e ferro, um mar de corpos, e a sereia parou de cantar. 

Além do oceano de morte, estava o seu lar, repleto de vida, e ela sorriu ao poder vê-lo, escutá-lo. 

No canto do salão, o jovem rapaz de cabelos cor de areia, tirou os pedaços de algodão dos ouvidos e foi em sua direção. Ele tomou-a nos braços carinhosamente e a carregou por entre os corpos despedaçados, atravessando o salão e a praia, entrando no mar.

Num ponto onde a água já alcançava sua cintura, o jovem a soltou. A sereia olhou em seus olhos sorrindo e o beijou nos lábios.

— Venha comigo meu amado... venha. — Ele a ouviu em sua mente de novo. Ela se afastou e começou a afundar com os braços estendidos. — Venha meu amor, venha.

E o jovem a seguiu para as escuras profundezas de seu destino.



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