top of page
  • Foto do escritorKeyla Fernandes

A Páscoa é Pagã?

Atualizado: 28 de ago.

Folk Horror, cultos macabros e a celebração a Páscoa cristã: como esses elementos serviram de inspiração para o conto "Em Memória de Mim".

Ilustração de fundo marrom, que lembra uma parede de pedra. Cinco pessoas estão paradas na frente dessa parede:à esqurda, um homem de cabelos e barbas brancas, vestido com uma túnica preta, no meio, uma mulher que usa um véu cinza cobrindo os cabelos e uma túnica verde de mangas longas, suas mãos estão cobertas por um tecido manchado de sangue. Ao lado direito da mulher, há um outro homem, careca, de barba branca e que usa um óculos, ele veste uma túnica cinza. Atrás da mulher, há duas figuras pálidas, cujas cabeças estão cobertas por capuzes pretos.
Detalhe da capa do conto "Em Memória de Mim". Arte por Rafael Delgado.


"Diego não tinha percebido a quantidade de pedras no chão até ver os membros da comunidade se abaixando para pegá-las. Dulce não pode ver, pois não ousava erguer a cabeça, mas as irmãs penitentes começaram a chorar e pedir misericórdia."


Meu conto, Em Memória de Mim, é um conto de Páscoa, e foi lançado no dia 09 de abril de 2023, e estará em promoção dessa Sexta-feira Santa, até o domingo de Páscoa.

“Em Memória de Mim” faz referência ao trecho bíblico do livro de Lucas (22:19) que descreve a Última Ceia, na qual Cristo orienta seus discípulos a como lembrar de seu sacrifício.


Jesus é chamado de o cordeiro de Deus, e o cordeiro é um elemento importante da comemoração hebraica da Pessach, por sua pureza e inocência. Assim, o sangue de Jesus sendo puro e inocente, é o sacrifício que deveria acabar com todos os sacrifícios.

Sempre achei essa frase muito bonita e poética, e a cena da ceia bastante macabra e interessante por conta da simbologia do pão, como a carne de Cristo, e o vinho, como o seu sangue. Inclusive em algumas vertentes cristãs, acredita-se que o pão e o vinho literalmente se transformam na carne e no sangue de Cristo. A ideia de comer a carne e beber o sangue de uma divindade sempre me perturbou e fascinou.


No entanto a ideia do conto veio quando eu assistia o documentário Rezar e Obedecer, da Netflix, e pensei que aquela história, de tão terrível, poderia ser um filme de horror, mais especificamente, de Folk Horror, por conta dos elementos comuns ao subgênero, no qual as narrativas, geralmente, são ambientadas em cenários rurais e o “mal” geralmente, é personificado por cultos pagãos, demonizando religiões e expressões de espiritualidade antigas e não-cristãs.


Quando assisti ao documentário, pensei muito nisso e resolvi que escreveria uma história de Folk Horror, mas sem o elemento do paganismo e da bruxaria. Em vez disso, especularia como seria uma história sobre uma comunidade macabra com bases cristãs.


Assim surgiu Em Memória De Mim, conto inspirado em narrativas de Folk Horror, cultos macabros e na Páscoa cristã, e por conta desse último elemento, seguiu-se uma boa pesquisa, cujo resultado eu queria compartilhar faz tempo, pois existe muita gente que ainda tem uma interpretação bem equivocada da coisa.



A Mas afinal, a Páscoa é Pagã?


Muito se fala sobre as supostas origens pagãs da Páscoa, mas embora haja elementos que podem ser entendidos como pagãos nas comemorações da festa, a origem da Páscoa é hebraica.

A palavra Páscoa vem do hebraico Pessach ( passagem, ou passar por cima). E é uma das mais importantes festividades da tradição judaica pois lembra e comemora a libertação e saída do povo hebreu do Egito. 


Sua origem está no livro de Êxodo, no trecho que fala sobre a da última das dez pragas que o Deus de Israel mandou sobre o Egito, pois o faraó não permitiu que seu povo fosse liberto. A praga seria a morte de todos os primogênitos do Egito, animais e humanos, e para não serem atingidos, os hebreus foram instruídos a imolar um cordeiro, marcar os umbrais de suas portas com o sangue, prepará-lo e comê-lo com alimentos não fermentados, que também são importantes na comemoração da Páscoa. 


A Páscoa também é comemorada pelos cristão, e embora seja diferente, suas bases estão na Páscoa dos hebreus. Para os cristão, a Páscoa é uma celebração para lembrar da morte e da ressurreição de Cristo, o cordeiro de Deus, sacrificado para salvar a humanidade. Mantém-se então a ideia do cordeiro como o símbolo do sacrifício, e da importância do sangue como elemento de proteção e identificação.


Mas então, de onde vem a ideia da origem pagã da Páscoa?

Vem tem um tratado cosmológico e teológico de 725d.C., chamado Tempora Ratione, escrito pelo monge inglês Beda. O trecho que faz a associação da Páscoa com a celebração de Eostere está no capítulo XV, e diz:


Eosturmonath, que tem um nome agora traduzido como ''mês pascal'', foi chamado assim depois de uma deusa deles nomeada Eostre, em cuja honra, festas eram celebradas naquele mês. Agora eles designaram pelo seu nome a temporada pascal, chamando as alegrias do novo rito pelo nome consagrado no tempo da antiga observância (BEDA, Tempora Ratione, XV).”


Essa associação se dá pela relação etimológica das palavras Easter e Ostern (Páscoa em inglês e alemão, respectivamente), com Eostere e Ostara. No entanto, não existem evidências que confirmem a existência do culto de tal divindade, e nem se os nomes realmente se referem a uma deusa. Existe uma grande discussão historiográfica, baseada em fontes arqueológicas e análises linguísticas complexas que busca entender essa associação, mas sem uma conclusão que confirme a alegação do monge.


Por mais que existam comemorações cristãs de origem pagãs, devemos lembrar que quando falamos de origens, estamos discutindo sobre permanências, rupturas, trocas culturais, ressignificações e discursos diversos. Estamos discutindo História. A História está sempre se movendo, e tomar discursos generalistas como verdades é muito fácil, mas é um grande equívoco. História é ciência.


Referências:


BELMAIA, Nathany Andrea Wagenheimer. De Eostere a Easter: Ressignificação de um culto pagão na Inglaterra medieval? Tempos Históricos • Volume 20 • 2º Semestre de 2016 • p. 89-116 • 1983-1463 (e-ISSN) 


MILDENBERG, Emerson Cláudio. A Páscoa Através dos Séculos. Revista Terra & Cultura: Cadernos de Ensino, Londrina, v. 39, e2828, 2023.


 Prof. Jonathan Matthies. As Diferenças Entre a Páscoa Judaica e a Páscoa Cristã. YouTube. 27 de agosto de 2018. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=OtZu2QBX0gY>


7 visualizações0 comentário

Comments


bottom of page